Análise: Bacurau é um retrato de resistência do brasileiro
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Ganhador do prêmio do Júri em Cannes, do Festival de Lima e concorrendo ao Prêmio Goya na Espanha, Bacurau estreia no Brasil como o filme nacional mais aguardado dos últimos tempos. O longa é o resultado do trabalho dos diretores Kleber Mendonça Filho e Juliano Dornelles.
A produção ainda conta com grandes nomes do cenário nacional e internacional no elenco. Entre eles, Barbara Colen, Karine Teles, Antonia Saboia, Silvero Pereira, Udo Kier, conhecido por filmes como Blood for Dracula e Armageddon, e a renomada atriz nacional, Sonia Braga.
O filme se passa em um futuro próximo, na cidade de Bacurau, localizada no nordeste brasileiro. Logo após a morte de dona Carmelita, anciã de Bacurau, o povo percebe que uma série de assassinatos estão ocorrendo. Enquanto isso, rostos desconhecidos chegam à cidade.
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A obra é um laboratório de experimentação para Kleber Mendonça e Juliano Dornelles que brincam com diversos gêneros do cinema nacional e internacional, criando algo "novo". Bacurau, é um western brasileiro que utiliza elementos surreais à mesma medida em que aborda temas de um Brasil atual, em tom de suspense e terror.
Iniciando por uma temática mais politizada, a produção mostra as relações de poder entre os pequenos povoados do nordeste e a política brasileira. Mais uma vez a água é o ponto chave nas disputas.
Já nas relações dentro de Bacurau, somos apresentados a um povo completamente diverso, compostos por homens e mulheres brancos(as) e negros(as) de classe baixa. Entre eles, assassinos, prostitutos e prostitutas, professores e médicas.
É esse mesmo povo, predominantemente negro e mulato, de caráter dúbio que ganha destaque como protagonista em uma trama de terror racial. Figuras como Domingas, a médica, Acácio, o ex- assassino, e Lunga, foragido da polícia, tornam-se os heróis que conduzem o povo de Bacurau em uma luta contra os forasteiros sanguinários.
É importante ver uma obra como essa que retrata a cultura do ódio disseminada por outros países em relação aos povos não brancos. O americano aqui não é o herói, mas sim o carniceiro. As antigas armas dos cangaço também não são instrumentos de assassinos mas o resquício de um povo que sabe lutar para se defender.
O espaço de vilão, no entanto, não é único do estrangeiro. Também temos brasileiros que não só compactuam com a ideia do ódio, mas que vêem-se representados na figura do forasteiro de pele clara. A clássica ideia de eugênia que ainda está presente em boa parte da classe-média/alta brasileira e que insiste em negar suas origens de matriz africana e indígena.
São Domingas, seu Plínio, e até mesmo Acácio e Lunga que representam o oposto de Tony Jr. e Michael Líder dos assassinos. Ao fundo uma trama não explicada retrata a relação de um governo corrupto que vende seu povo como entretenimento para uma organização secreta e poderoso
Em outro ponto, Bacurau apresenta elementos que fogem à realidade e prendem a atenção do público. Os hábitos dos moradores do pequeno povoado, "Discos voadores" e a própria organização de assassinos são elementos que pairam no ar.
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Brasil no cinema
Vale ressaltar que Bacurau também se dispõem a entregar uma visão do futuro do país em poucos anos. Em breves momentos, podemos entender que a violência se alastrou no Brasil da mesma maneira que em filmes como uma Noite de Crime. Execuções transmitidas ao vivo são parte do dia a dia do brasileiro no futuro próximo.As drogas também ganham destaque nesse contexto. Um psicotrópico capaz de anular o sentimento de tristeza em troca da capacidade mental do indivíduo é uma das ferramentas para sobreviver à realidade problemática desse Brasil. Aliás essa droga torna-se moeda de troca, utilizada pelo prefeito de Bacurau, Tony Jr., em sua campanha de reeleição.
Podemos ver que a política continua a mesma, se utilizando de mecanismos simples para aliviar momentaneamente a dor da população. Assim, comprando a esperança do povo por mais quatro anos.
A partir daqui, é importante dar destaque à obra de Kléber e Júlio em um contexto de desmonte do cenário audiovisual no país.
Em abril deste ano, a Ancine cancelou o repasse de verbas para a produção de filmes e séries. Recentemente, o órgão teve seu diretor-presidente afastado por decisão do atual presidente da República, Jair Bolsonaro.
No meio desse tumulto, Bacurau foi vencedor de um dos prêmios mais disputados do setor cinematográfico em Cannes e segue concorrendo a mais conquistas. O sucesso entre o público nacional ainda é representado nas bilheterias. Segundo material do UOL, o filme arrecadou R$ 1,5 milhão em seu final de semana de estreia nas telonas.
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Resultado
Ao enredo soma-se um belo trabalho de fotografia que retrata o sertão brasileiro árido no seu estado mais puro, mas que convida o público a fazer parte da comunidade de Bacurau. A trilha sonora também ajuda a ditar o ritmo da trama em meio aos pontos de suspense.O resultado de todo esse trabalho complexo é uma nova experiência para o público brasileiro. Uma crítica simples ao contexto do país e uma retomada da experimentação criativa. Internacionalmente o Brasil também retoma espaço como força potente dentro da Sétima Arte. Bacurau demonstra a resistência e a voz do povo brasileiro.
Bacurau
Kleber Mendonça Filho (2019)
9.3
Enredo: 9.3
Visual: 9.5
Som: 9
Coerência: 9.3